quinta-feira, 22 de novembro de 2012

The Oblongs: A série animada está de volta

No ano de 2005 estreava no SBT o seriado “Os Oblongs”, na madrugada de sexta para sábado, dentro do bloco dos seriados da emissora. Naquela época não tinha TV a cabo e o SBT era o canal pra assistir tais produções da televisão americana. Na sexta era o dia dedicado aos desenhos. Só que não se tratava de desenhos infantis do período da manhã no SBT. Eram animações de conteúdo mais adulto (não confundam com erótico) e que também estavam sendo exibidos no {Adult Swim} do Cartoon Network. Foi durante este período que fiquei fã dos desenhos: Mission Hill e claro The Oblongs.

Para quem nunca viu, ou ouviu falar no desenho The Oblongs, aqui vai um pequeno resumo. Criado pelo escritor e desenhista Angus Oblong, o desenho conta a história de uma família (fisicamente) estranha vivendo o dia-dia em uma sociedade repleta de desigualdades entre pessoas perfeitas (ricas e saudáveis) e “mutantes” (pobres e com deficiências). Os Oblongs são representados por um pai sem braços e pernas (o Joseph Klimberg em desenho), uma mãe careca, gêmeos siameses, um garoto com a cabeça deformada e uma menina com uma espécie de calombo na cabeça. O desenho é puro humor negro. Talvez por isso não tenha sido bem sucedido e cancelado logo na primeira temporada. Foram produzidos apenas 13 episódios no total. Os poucos episódios não foram empecilhos para o SBT e o {Adult Swim} ficar reprisando inúmeras vezes. Eu já perdi as contas de quantas vezes eu revi incansavelmente The Oblongs. Me lembro até de ter assistido no horário nobre do SBT, que foi uma tática da emissora de não entrar em confronto com a novela da Globo. Infelizmente chegou o momento que The Oblongs saiu do SBT e logo em seguida do {Adult Swim}. Não veria mais The Oblongs tão cedo na televisão.


Durante os tempos áureos do Orkut tentei me engajar na comunidade do desenho, na esperança que pudesse fazer alguma diferença. Assinei algumas petições, mas não sei que fim levou esses pedidos. Estava convencido que The Oblongs seria apenas uma lembrança de um desenho cultuado por um pequeno grupo de fãs. No ano passado, uma fã do desenho me avisou que existe “uma luz no fim do túnel” e que The Oblongs pode voltar ser produzido. Dito e feito. The Oblongs está de volta no {Adult Swim} do Cartoon Network americano. Ainda não sei se foram produzidos muitos episódios para preencher uma temporada, ou se são episódios especiais (igual foi com Futurama durante um tempo). O anúncio foi feito na página do Facebook do criador do desenho Angus Oblong. Torço agora para o {Adult Swim} voltar para o Cartoon Network brasileiro e quem sabe poder ver os novos episódios. Vale lembrar que Family Guy e Futurama foram canceladas e estão de volta graças à insistência dos fãs.


Aproveito o espaço para agradecer a maior fã deste desenho no Brasil, Juliana Evangelista, pois graças a ela que eu descobri informações e contatos que eu nem imaginava. Estou motivado agora para encher o saco do Cartoon Network brasileiro para pedir a volta do bloco {Adult Swim} e os novos episódios do desenho The Oblongs. Se você ficou curioso sobre este desenho, deixo o link do primeiro episódio e também o link de uma entrevista com o criador Angus Oblong.

http://blogaritmox.blogspot.com.br/2011/08/exclusivo-entrevista-completa-com-angus.html


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

O Contestado - Restos Mortais

Como explicar uma guerra? Quais são os interesses que existem por trás de um confronto armado? Como justificar os massacres? Não existe uma resposta simples que possa explicar uma guerra. Talvez possamos entender os possíveis motivos, através da reconstituição histórica de quem vivenciou tais batalhas.

Na história do Brasil algumas guerras tiveram grande importância política, como a Revolução Farroupilha e a Inconfidência Mineira, enquanto a Guerra de Canudos e a Guerra do Contestado são conhecidas pelo seu teor religioso. Dizer que Canudos e Contestados foram simplesmente guerras santas, é reduzir sua importância histórica. As conseqüências desses massacres ecoam até hoje no imaginário popular e seu estudo torna-se necessário como instrumento de registro de uma identidade histórica nacional.

De todas as guerras em solo nacional, a mais difícil de ser compreendida é a Guerra do Contestado. Diferentemente de Canudos, o Contestado teve um amplo campo de batalha, abrangendo boa parte do estado do Paraná e Santa Catarina. E os motivos vão além da disputa por terras, englobando interesses econômicos, políticos e religiosos.  Explicar o Contestado não é tarefa fácil para qualquer historiador. Porém o mais complicado, é transpor esta guerra em um documentário, sem correr o risco de abordar o conteúdo de maneira superficial. Tal desafio foi tomado pelo cineasta Sylvio Back no documentário “O Contestado – Restos Mortais”. O filme narra os eventos do Contestado através dos depoimentos de historiadores, testemunhas e parentes de quem vivenciou o massacre, ilustrados por registros de imagens e sons de arquivo, e com direito até de sessões mediúnicas com os “espíritos” envolvidos na guerra. A maneira que Sylvio Back aborda o assunto não acontece de maneira didática e constantemente somos apresentados a diversas opiniões divergentes sobre os fatos ocorridos durante a guerra. Em depoimento ao jornal Diário Catarinense, Sylvio fala: “Eu sou um cineasta que faz filmes que desconfiam, tanto da versão do vencedor quanto da versão dos vencidos e eles também mentem”.


O Contestado é considerado uma guerra inglória, perdida por caboclos simplórios que acreditavam em uma “monarquia celeste”. Os caboclos do Contestado viam a recém formada republica como uma instituição demoníaca, sendo algo que perturbava a aparente ordem na região. A idealização de uma nova monarquia era considerada uma forma de retomar o que foi perdido durante a construção da ferrovia situada entre os dois estados. Durante o tempo do Brasil Império, esta região não interessava muito economicamente ao poder vigente, havendo a possibilidade de um desenvolvimento sócio-econômico autônomo e independente. O processo de modernização nacional trouxe bastante miséria para aquela região e ao iniciarem a guerra, todos queriam expulsar tais “invasores” do local. A Batalha do Iraní marca o início da Guerra do Contestado e um dos principais líderes, Zé Maria, é morto em combate. Ao contrario do que muitos pensavam, a morte do monge Zé Maria contribuiu para continuação da guerra, desta vez com maior participação dos caboclos. Zé Maria era considerado um profeta, por prever muitos dos acontecimentos posteriores a implementação da estrada de ferro e sabia que iria morrer na Batalha do Iraní. Os novos líderes que seguiram no Contestado diziam serem escolhidos pelo espírito de Zé Maria e somente estas pessoas podiam se comunicar com ele. Houve até uma “virgem” de 15 anos que se tornou líder do movimento.  Como distinguir fé de fanatismo? Seria o Contestado uma guerra santa? A guerra iniciada como um motim ganha enormes proporções fazendo o exercito brasileiro intervir na região. O campo de batalha é extenso, com área de 20.000 km², aproximadamente o tamanho do estado no Maranhão. Em quatro anos de guerra foram incendiados mais de 9.000 casas e aproximadamente 20.000 pessoas foram mortas entre civis e militares. Adeodato, o ultimo líder, foi responsável pelo massacre de militares, civis e aliados de guerra. Neste ultimo momento, o Contestado estava desacreditado e mais ninguém estava disposto a lutar em vão. Por fim, o exercito brasileiro dizimou o restante das pessoas envolvidas na guerra. Os poucos que ficaram para contar história lembram o tempo difícil que enfrentaram, sem orgulho de uma conquista, sobrando apenas a amargura da derrota.


Fugindo do senso comum de uma narrativa documental, o diretor Sylvio Back busca dar “voz” aos mortos em batalha através de diferentes médiuns. Situação que para alguns expectadores é entendida como uma manifestação sobrenatural, quando outros interpretam como uma forma de “atuação” por impostores. As sessões espíritas não estão impostas na tela como verdade, ou zombaria. Tudo faz parte do contexto narrativo e cabe ao espectador avaliar o que pode ser encarado como “real”. Sylvio Back interpreta a inclusão dos médiuns desta maneira: “O transe mediúnico é como se fosse um poema, há uma dificuldade em codificá-lo. Os especialistas em literatura dizem que se você explicar um poema ele deixa de sê-lo, é aquela criação humana que exige sempre um novo olhar. E o cinema tem mil olhos também e foi com eles que eu tentei o transe mediúnico como uma narrativa cinematográfica. Eu não sou um espírita militante. Eu tomei com todo respeito e admiração o transe mediúnico como uma instância do consciente coletivo do homem e a espiritualidade e a mediunidade era uma espécie de argamassa que reunia aqueles milhares caboclos fanatizados na sua maioria, as virgens videntes”. Analisando mercadologicamente, a inserção de qualquer temática espírita contribui para despertar a atenção de um publico cativo para as produções ligadas a este segmento. Apesar de que as sessões mediúnicas não são o mote principal do filme, mas pode servir como tema para ser debatido após a projeção.


 O conteúdo do documentário não é destinado ao entretenimento de quem vai ao cinema por lazer, mas sim para aqueles que estão dispostos a compreenderem um período histórico ainda desconhecido para muitas pessoas. As duas horas de duração pode ser considerada cansativa, entretanto o documentário não pode ser acusado como uma obra superficial desprovida de senso crítico. “O Contestado – Restos Mortais” é um dos maiores e mais completos registros históricos deste terrível evento. Posso afirmar com toda certeza, que este documentário será um importante instrumento de estudo sobre o Contestado, servindo como referência de pesquisa para as próximas décadas.

Para os interessados disponibilizo o trailer do filme e o link da entrevista do diretor Sylvio Back ao jornal Diário Catarinense.

http://diariocatarinense.clicrbs.com.br/sc/variedades/noticia/2012/10/cineasta-sylvio-back-revela-bastidores-do-documentario-o-contestado-restos-mortais-3920717.html


quarta-feira, 25 de julho de 2012

Programa de 1 Cara Só

Desde o lançamento do youtube, os vídeos blogs (ou vlogs) fazem sucesso entre os usuários. A formula é aparentemente simples: uma pessoa fala para a câmera sobre o que quiser procurando ser mais autêntico e criativo o possível. Pessoas comuns ganharam notoriedade na rede por serem simplesmente elas mesmas em seus vídeos pessoais. Para fazer sucesso no youtube não precisa de muito recurso técnico, basta apenas saber comunicar com criatividade e coerência. Infelizmente não é isso que vem acontecendo nos últimos tempos. Na onda do sucesso de alguns vloggers existem pessoas que se promovem no youtube fazendo o “festival mais do mesmo”. O pior é que repetem o estilo de filmagem e falam praticamente dos mesmos assuntos. Ainda bem que o youtube é um espaço aberto para postagem de vídeos permitindo a renovação de conteúdo.


 E como forma de respiro criativo na rede surge o Programa de 1 cara só. A premissa do programa é um talk show com cara de vlog. A idéia não é inovadora, mas traz algo de diferente ao público. O entrevistador não é aquele cara que faz as perguntas com as respostas prontas: “E aquela vez do aeroporto, que você perdeu o seu passaporte?”. Sendo alguém que interage com o entrevistado como se fosse um bate papo informal.  As perguntas do programa geralmente são mandadas por familiares, amigos e fãs, induzindo o entrevistado falar sobre assuntos não tão familiares ao público em geral. No programa de estréia, o entrevistado foi o vlogueiro PC Siqueira, que dispensa qualquer tipo de apresentação. Para minha surpresa a entrevista foi além do assunto (comum) sobre o sucesso dos vídeos dele e serviu como desabafo sobre muitas questões que o incomodam. O PC foi um dos primeiros brasileiros a ter um vlog acessado por mais de 1 milhão de pessoas e até hoje tem muita gente copiando o seu estilo. Agora eu não ficaria surpreso com pessoas tentando imitar o Programa de 1 Cara Só. Espero também que o Rafael Dias não caia na armadilha do “lugar comum” da maioria dos talk shows, em repetir o mesmo estilo de fazer entrevista. Torço pelo sucesso do programa e não é porque o cara é meu amigo que vou aliviar nas críticas. Confio no potencial do programa e sei que seu conteúdo irá agregar em qualidade no youtube.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

Virando do Avesso: Donnie Darko



Este texto eu venho preparando desde o início do Blog. Quando postei a análise de cena do filme Em Busca do Cálice Sagrado já tinha em mente colocar uma serie de críticas mais elaboradas. Estava desenvolvendo alguns textos desta serie, quando perdi todo o conteúdo do meu HD. Tive que recomeçar tudo de novo. A serie Virando do Avesso é uma análise mais minuciosa dos filmes e series que pretendo comentar. Não se trata de uma crítica banal, ou uma análise enxuta que venho fazendo, até então em muitos posts. Como foi no comentário do novo Homem-Aranha e de Prometheus. Sobre estes dois filmes optei não querer ir muito além com a análise, pra não soltar qualquer tipo de spoiler. Portanto, quem for ler qualquer texto desta serie vai não só encontrar spoilers, como também saberá o filme inteiro, de cabo a rabo, virado do avesso, como diz o título da serie. Não se preocupem com o teor do texto, pois prometo não desenvolver algo maçante e chato de se ler. Quero trazer diferentes interpretações para o mesmo filme e procurar fugir do óbvio.

O filme escolhido desta semana é o cultuado Donnie Darko. Para quem ainda não viu, é a história de Donnie um adolescente com distúrbios psicológicos, que precisa lidar com o sonambulismo, visões de um coelho gigante e o suposto apocalipse que acontecerá em 28 dias. Se você achou essa sinopse absurda, então dou alguns motivos para assistir ao filme: Ótimo elenco, trilha sonora cativante, uma homenagem a cultura pop dos anos 80, como também faz uma crítica social dos EUA. É um filme instigante, que merece ser visto e revisto várias vezes. Para quem ainda não viu o filme aviso que o restante do texto possui spoilers, portanto não recomendo que continuem a leitura. A partir de agora vamos desvendar (ou não) alguns dos mistérios de Donnie Darko e a teoria do Universo Tangente.


Uso como base desta análise a versão do diretor de Donnie Darko. Assisti novamente ao filme fazendo minhas anotações para as cenas mais pertinentes, tentando ficar atento aos detalhes que normalmente não prestamos atenção. Considero esta versão do diretor uma expansão da experiência em assistir ao filme Donnie Darko. Prefiro chamar esta versão de Donnie Darko 1.5. O motivo é que acho indispensável assistir a versão original primeiro pra depois assistir a versão do diretor. Algumas cenas estão explicadas com mais detalhes nesta nova versão. Enquanto outras foram colocadas de maneira a darmos outra interpretação ao filme. Alguns acusaram a versão do diretor estragar a experiência instigante do original. Eu discordo. Acredito que a nova versão é uma nova experiência e um novo olhar para Donnie Darko.  Não quero ficar de enrolação e vamos ao que interessa.

Começo pelo óbvio do filme: A história de Donnie Darko é cíclica. Logo no início do filme, quando a tela ainda está nos créditos iniciais, escutamos o som da turbina de um avião em meio a uma tempestade. Para quem assiste ao filme pela primeira vez, é um detalhe que é facilmente ignorado. O som é contrastado com o canto de pássaros, que faz parte do ambiente onde o filme começa. A primeira imagem que vemos é o amanhecer em uma montanha. A câmera vira para a estrada e vemos um corpo no chão. Ao se aproximar da pessoa percebemos que ela estava desacordada. O que será que aconteceu a esta pessoa? Donnie desperta sem entender o que aconteceu. Quando a câmera aproxima do personagem vemos que ele está de pijama. É a partir deste momento que somos realmente apresentados a Donnie Darko, o herói e protagonista da história. A luz do sol bate na lente da câmera e um clarão (produzido digitalmente) toma conta de toda a tela. Na versão do diretor, Donnie acorda com a voz distorcida de Frank, “Wake Up”. Logo em seguida aparece um insert de um close no olho (com a pupila dilatada) de Donnie, quando surge rapidamente o desenho da cabeça do coelho Frank, no centro da tela. Todos estes elementos que eu descrevi nesta primeira cena estão espalhados por todo filme. O modo sutil como Donnie é apresentado ao público indica a aura de mistério que ronda este personagem. Quem assiste ao filme pela segunda vez, percebe que aquele cenário é o mesmo de quando ele faz a viagem no tempo. O óbvio do tempo cíclico no filme, pode também indicar outra coisa: a subjetividade do protagonista. Ele é um personagem que sofre de esquizofrenia e tem constantes casos de sonambulismo. Fica difícil distinguir o que é a “realidade” da “alucinação” do personagem. Os conceitos metafísicos elaborados pelo diretor Richard Kelly podem também ser encarado como parte do universo subjetivo do personagem.

Nas cenas seguintes conhecemos um pouco da cidade onde Donnie vive com sua família. O carro de Frank aparece de maneira quase subliminar (só percebi assistindo ao comentário em áudio do diretor). É época de Halloween, um detalhe que pouco influência na trama, mas é por causa desta data que Frank desenvolve sua fantasia de coelho macabro. A mãe do Donnie está lendo o livro IT de Stephen King, que basicamente fala da personificação do medo. Na geladeira da casa, está o aviso “Onde Donnie está?”, mostrando que os casos de sonambulismos são freqüentes. Em uma destas seqüências é mostrado ao espectador que a história se passa em 1988. O número 8 representa o infinito, o que pode simbolizar a jornada cíclica do personagem. A família discute política na mesa do jantar: Quem será melhor o presidente? Bush (pai), ou Dukakis? Saber o ambiente em que Donnie está situado ajuda entender algumas decisões que o personagem toma ao longo do filme. Outro tema pertinente no filme é sobre o conceito de livre arbítrio, amplamente discutido por toda a trama. Donnie é afetado por todos os tipos de influências ao seu redor. Ele não é um adolescente alienado, mas ainda não consegue entender o seu “propósito” como ser humano. Sua família não o repreende por seus atos, amando Donnie incondicionalmente, no entanto também não sabem como lidar o distúrbio do filho. Em uma cena da versão do diretor, Donnie pergunta ao seu pai sobre sua “loucura”, que o consola dizendo para continuar sendo uma pessoa íntegra e por esse motivo é diferente dos demais: “Todos são parte de uma grande conspiração de bobagens. Eles tem medo de pessoas como você, pois sabem que é muito mais esperto que qualquer um deles”. Donnie tem acompanhamento psiquiátrico, sendo medicado com placebos, na tentativa de amenizar os efeitos da sua doença psicológica. O fato de conviver em um ambiente familiar “sadio” permite que Donnie tenha uma personalidade forte e que não se deixa abalar com qualquer tipo de provocação. Mas como em qualquer história, o herói (ou protagonista) precisa sair da sua “zona de conforto” quando recebe o seu “chamado a aventura”.

O verdadeiro ponto de virada no filme acontece a partir da meia-noite do dia 2 de outubro de 1988 (a data é reforçada quando aparece na tela). Quando escutamos a voz de Frank mandando Donnie acordar, é iniciado a abertura do universo tangente. O grande mistério não resolvido no filme é saber quantos universos tangentes existiram além do que é apresentado na história. Quando Donnie encontra com a imagem do coelho Frank, ele está em um estado semi-consciência. Donnie sabe o que está acontecendo, mas está entorpecido demais para confrontar a suposta alucinação. Ele ri incrédulo da profecia apocalíptica de Frank, mas resolve “seguir o coelho”. Em seguida acontece a queda da turbina no quarto de Donnie. Naquele momento houve uma “trapaça no destino”, sendo “o escolhido” para trazer o “equilíbrio no universo”. No livro da Roberta Sparrow, A Filosofia da Viagem no Tempo, Donnie é considerado um “Receptor Vivo” do “Artefato” (a turbina de avião) deste universo tangente. Apenas o “Artefato” e a consciência do “Receptor” são capazes de viajar no tempo, formando um elo entre o universo tangente (realidade paralela) com o universo primário (a realidade propriamente dita). Toda essa teoria maluca foi elaborada pelo diretor, bem antes de realizar este filme. Fragmentos e extensões da Filosofia da Viagem no Tempo estão nos seus filmes seguintes: Southland Tales e A Caixa.

Quando Donnie desperta no campo de golfe a primeira coisa que vemos é luz do sol estourando na tela e um homem o chamando. Em seguida aparece Jim Cunningham, o guru da auto-ajuda, fazendo graça com a situação de Donnie. Para os dois “adultos” Donnie estaria de ressaca, como justificativa para a estranheza da situação. O tempo restante para o mundo acabar está marcado no braço de Donnie servindo como lembrança física daquele encontro surreal. Ao retornar para sua casa encontram policiais e bombeiros cercando o perímetro. Quando vê uma turbina sendo retirada do seu quarto, não entende o que está acontecendo. Nas palavras do diretor nos comentários em áudio: “A manipulação começou”. Os pais de Donnie ficam em choque por causa do acidente e acham que existe “alguém olhando por ele”. Todos percebem que existe algo de errado no acidente, porém não dão tanta importância para a natureza do fenômeno. No centro da turbina está desenhada a espiral de fibonacci servindo como metáfora de “um ciclo sem fim”. No hotel onde a família está hospedada, o pai de Donnie relembra a estranha morte do seu amigo do colegial Frank (estranha coincidência), que era considerado amaldiçoado. Seria este Frank um viajante do universo tangente? Pelo que indica o livro da vovó morte, a abertura de universos tangentes é algo bastante comum. Quantos universos tangentes existem? No livro existe uma alusão aos povos maias e também ao rei Arthur com a espada Excalibur (o artefato do universo tangente). Eu tenho uma teoria particular que o suposto universo primário do filme também é um universo tangente, que gerou outro universo tangente mais instável. Os grandes acontecimentos históricos seriam influenciados pelo surgimento de universos tangentes. Acho que estou “viajando” demais. Mais tarde irei completar este raciocínio.

Vamos falar sobre o ambiente escolar de Donnie Darko. Um dos momentos antológicos do filme é a chegada de Donnie no colégio, embalado pelo sucesso da banda Tears For Fears, Head Over Hells. A seqüência musical mostra o lugar onde Donnie Darko estuda, resumindo na forma de um videoclipe a apresentação dos personagens que fazem parte do núcleo da escola dentro do filme. Temos os amigos de Donnie, os bullies da escola (os intimidadores é o mais próximo que existe de antagonista da história), a professora conservadora, a bela da escola (posteriormente vira namorada de Donnie), o diretor da escola que faz vista grossa (ele passa pelos bullies que estão cheirando cocaína e finge que não vê), a excluída da turma (que possui um amor platônico por Donnie), o guru picareta da auto-ajuda (sendo oficialmente apresentado na história), o casal de professores subversivos (tanto a professora de literatura, como o professor de física são importantes para Donnie entender sua “missão”) e o grupo de dança do colégio (na qual a irmã de Donnie faz parte). O clipe termina na sala de aula quando a professora de literatura, Karen Pomeroy (Drew Barrymore) apresenta o conto The Destructors, de Graham Greene. Eis o trecho citado: “Estará nas manchetes dos jornais, até mesmo as gangues dos mais velhos que lideram as apostas e os garotos ouvirão com respeito sobre como a casa da velha miséria foi destruída. É como se houvessem planejado a vida toda. Plano alimentado durante as estações. Agora, realizado ao completarem 15 anos na fase mais difícil da puberdade”. Assim como Donnie Darko, Graham Greene também tinha distúrbios psicológicos (bipolaridade para ser mais exato). A interpretação que Donnie faz do conto é bastante coerente com os eventos que serão desencadeados durante seu sonambulismo: “Disseram recentemente, depois de uma grande enchente que destruição é uma forma de criação. Então, o fato de queimarem dinheiro é irônico. Querem ver o que acontece quando sacudirem o mundo. Querem mudar as coisas”. Donnie Darko encarna o mesmo arquétipo de anti-herói sob a persona de um adolescente desajustado como os “jovens” do conto. Para colocar o “universo em ordem”, ele precisa causar impacto no ambiente que vive. Lembro que todos os personagens são mentores de Donnie nesta jornada, podendo influenciar de maneira direta, ou indireta nas suas ações dentro do universo tangente. No livro da Roberta Sparrow, os demais personagens são chamados de “Manipulados Vivos” e “Manipulados Mortos”. Pois quem morreu em um desses universos, tem maior influência com Donnie quando ele está sonâmbulo (como é o caso de Frank).

Outro elemento do filme que preciso dar atenção é sobre a namorada de Donnie Darko, Gretchen Ross. Como na maioria dos filmes de narrativa clássica, todo protagonista tem o seu interesse amoroso (seja realizado em cena, ou não). É o arquétipo do animus/anima presentes na construção dos personagens. Gretchen representa a anima (a projeção do ideal feminino) para Donnie. Ele enxerga nela uma pessoa que convive com problemas sérios e que não é alienada como os demais. Ambos enfrentam dificuldades emocionais e encontram uma maneira de expressarem seus sentimentos sem haver a barreira do preconceito e da discriminação. Um dos maiores motivos de Donnie sacrificar-se no final do filme é por causa de Gretchen. Donnie finalmente entende que para ela ficar viva e recomeçar a vida, ele precisa morrer. Sua namorada acaba servindo como motivação maior que arrumar a bagunça do universo tangente. Lembro que Gretchen é uma “manipulada morta”, juntamente com Frank, têm forte influência sobre Donnie (de uma maneira menos direta como o Frank manipula). Uma teoria é que Gretchen teria morrido de maneira diferente em outro universo tangente. Ela e sua mãe se mudaram para a cidade de Middlesex devido a uma medida cautelar contra o padrasto de Gretchen. No dia que antecede o apocalipse no universo tangente, Gretchen procura Donnie porque sua mãe desapareceu. Não vemos a mãe de Gretchen no filme e o desfecho do desaparecimento dela torna-se inconclusivo. Talvez o padrasto tenha voltado para matar ela e a mãe e as duas possam ter morrido em um universo tangente diferente. Será que Gretchen fica realmente bem, quando o universo primário é restabelecido? Teria sido em vão o sacrifício de Donnie Darko? Ou inconscientemente Gretchen sabe do suposto perigo no futuro e faz alguma coisa para mudar o seu destino? No filme mostra que os “Manipulados” tem resquícios do universo tangente, como se fosse um sonho. Em um diálogo, o casal debate sobre o projeto de ciências, que por coincidência acaba tendo relação com as vagas lembranças do universo tangente: “E se você voltar no tempo e livrar os outros de horas de dor e escuridão, substituindo por algo melhor?”.

Antes que o espectador tomasse conhecimento sobre A Filosofia da Viagem no Tempo, o livro fictício escrito pela personagem Roberta Sparrow, a Vovó Morte. Primeiro somos apresentados a Vovó Morte, uma velha estranha, com o hábito de estar sempre checando a caixa de correio. A personagem foi inspirada em uma pessoa real, que fez parte da infância de Richard Kelly, também apelidada pelos garotos da vizinhança de Vovó Morte. Na primeira cena em que ela aparece, é quase atropelada pelo pai de Donnie e não esboça nenhuma reação de surpresa, ou espanto. Ela sussurra algo no ouvido de Donnie e só no final sabemos a mensagem: “Cada criatura na terra morre sozinha”. Roberta Sparrow sabe que Donnie Darko é o “Receptor Vivo”, aquele que vai guiar o “artefato” (a turbina) de volta para o universo primário. A história pregressa da personagem conta que Roberta era uma freira que elaborou esta teoria, mas enlouqueceu devido às fortes coincidências com a realidade. Os inserts do livro da Roberta Sparrow estão presentes na versão do diretor, e ajudam a expandir a compreensão na jornada de Donnie. A Vovó Morte é única personagem viva (além de Donnie, é claro) que reconhece estar presa em um desdobramento do universo tangente. Talvez por isso ela pouco se importe com o que acontece consigo, sua maior motivação é guiar Donnie de volta para o universo primário. Para que isso aconteça, primeiro ela precisa receber a carta do “Receptor Vivo”. Talvez Roberta Sparrow tenha enlouquecido por descobrir que as aberturas na quarta dimensão acontecem de maneira constante e que a qualquer momento ela possa fazer parte de uma. Quem sabe isso dê força para a teoria que o universo tangente seja apenas um “universo subjetivo” em que a pessoa fique presa a uma alucinação da realidade. O fato de ela entender a natureza da formação de um universo tangente faz com que ela questione o tempo todo se realmente está presa em uma “outra realidade”.

Neste processo de entendimento de sua jornada, Donnie Darko tem na sua terapeuta, doutora Thurman, alguém que serve como ponto de equilíbrio entre o “real” e o que possa ser supostamente “loucura”. Ela é única que sabe da relação do coelho Frank com o apocalipse do universo tangente. Ao invés de rotular Donnie como “garoto problema”, ela tenta entender o seu processo psíquico através da terapia de regressão hipnótica. Ao analisar as diversas regressões a Dra. Thurman descobre os desejos e sentimentos reprimidos pelo subconsciente de Donnie e que ele não apresenta sinais de um transtorno psicótico perigoso. Em uma das cenas ela diz para Donnie: “Seu crescente isolamento da realidade parece ser devido a sua dificuldade em enfrentar as forças do mundo que o amedrontam”. Donnie por sua vez confessa em um momento que suas atitudes são “como uma força no cérebro, que me leva a alguns lugares”. O papel da Dra. Thurman não é de explicar e nem desmentir A Filosofia da Viagem no Tempo, apenas ajudar Donnie se tornar “lúcido” com os eventos extraordinários que o cerca. Ele só encontra lucidez com a morte de Gretchen e entende o seu papel dentro da realidade. Daquele momento em diante ele se torna o manipulador de “uma nova realidade”. Em outro diálogo a Dra. Thurman explica um pouco mais este processo de libertação da “realidade ilusória”: “Se o céu ou o sol se abrirem de repente, não haverá lei, não haverá mais regras. Só haverá você e suas memórias. As escolhas que tomou, e as pessoas que tocou. Se este mundo acabar só existirá você e ele. Mais ninguém”. No final ela explica para Donnie que as pílulas que ele está tomando são placebos e que a natureza do problema dele não é tão grave como pensava.

Diferente de sua terapeuta, os “sermões” de auto-ajuda do falso guru, Jim Cunningham, são bastante superficiais. Como em qualquer livro de auto-ajuda a interpretação da “realidade” é feita de maneira simplista, reduzindo as possibilidades de escolhas entre o “bem e o mal”. No livro de Jim Cunningham, essa polaridade é expressa como o “caminho do medo”, ou o “caminho do amor”. O conteúdo do livro se tornou parte do material didático, graças a professora de educação física, Kitty Farmer. Nas aulas onde são exibidos os vídeos, Donnie absorve a informação como estivesse entorpecido. A voz distorcida de Frank o alerta: “Preste atenção você pode perder alguma coisa”. Ele não acredita na “linha da vida” e não quer saber sobre o assunto, mas é confrontado o tempo todo a participar daquela palhaçada. Quando Kitty obriga Donnie a fazer o exercício do programa, ele se revolta e manda a professora enfiar o cartão da “linha da vida” no ânus: “Não se pode dividir as coisas em duas categorias. As coisas não são tão simples (...). O fato de Ling Ling não pegar o dinheiro não tem nada a ver com medo ou amor (...). Outras coisas precisam ser consideradas. Como todo espectro da emoção humana. Não pode colocar tudo em duas categorias e negar o resto”. Não satisfeito, ele desafia Jim Cunningham em uma palestra: “Quanto recebeu para estar aqui? (...) Vai nos dizer para comprar o seu livro? Se for isso, tenho de dizer que foi o pior conselho que já ouvi (...). Acho que você é o Anti-Cristo”. Jim Cunningham é um “falso profeta” que Donnie precisa desmascarar. Só que para isso ele é “manipulado” por Frank para incendiar a mansão de Jim. Com a mansão destruída descobrimos que o suposto guru é na verdade um pedófilo que faz vídeos pornográficos das crianças que abusa. Quando o universo tangente está perto do fim, Jim Cunningham é preso e aguardaria julgamento, sendo salvo pelo apocalipse. Ao acordar no universo primário, ele se desespera e chora compulsivamente (um dos melhores momentos da carreira de Patrick Swayze). O diretor chegou a escrever um epílogo contando que Jim Cunningham se mata pouco tempo depois. Prefiro ficar com o que o filme mostra o remorso e um possível arrependimento, com o medo de ser desmascarado naquela “realidade”. O incêndio na mansão assemelha-se ao que acontece no conto, The Destructors, se tornando uma forma de “criação” através do caos.

Os atos de vandalismo, ou de destruição não são apenas ações inconscientes de Donnie Darko. Neste universo tangente Donnie é o “Receptor Vivo”, onde foi “abençoado com poderes da quarta dimensão” (extraído da Filosofia da Viagem no Tempo). Ao sabotar a escola, é mostrado que ele pode fazer coisas extraordinárias, ou sobrenaturais: “estes incluem força, telecinese, controle mental e a habilidade de conjurar água e fogo” (Filosofia da Viagem no Tempo). Um “super-herói” sonâmbulo. Para quem viu a versão original do cinema, pouco se importa com a existência de “super-poderes”, é um detalhe que pouco agrega a trama. Na versão do diretor vemos esta importância maior do “Receptor Vivo”. Por se tratar de um universo alternativo, Donnie pode fazer coisas que normalmente não conseguiria no universo primário. Se o universo tangente pode ser o universo subjetivo na mente de Donnie, então ele pode ser considerado um “sonhador lúcido”. Quem tem sonhos lúcidos pode manipular o conteúdo onírico e agir de maneira diferente do “mundo real”. Alguns acusam o diretor de usar A Filosofia da Viagem no Tempo na versão estendida para tampar os “furos” do roteiro. Pouco interessa entender como Donnie conseguiu invadir a escola, destruir o cano principal e ainda cravar o machado na cabeça do mascote do colégio. Para isso existe a “suspensão de descrença”, quando existem elementos sobrenaturais que não necessariamente precisam de explicação. Outro elemento estranho que faz parte da versão do diretor são os inserts do olho de Donnie com a pupila dilatada, que curiosamente aparecem quando está para acontecer alguma coisa extraordinária. Existe uma teoria que afirma que os inserts possam simbolizar que Donnie é manipulado por uma “inteligência superior”, ou o “Deus Ex Machina”. O fantasma de Frank (morto no futuro) também é mencionado em uma teoria como o “Avatar de Deus”. Em uma cena da versão do diretor, a professora Pomeroy discute o livro Watership Down, de Richard Adams, sobre como os coelhos (novamente mais uma referência a fantasia de Frank) servem como metáfora da condição humana: “Por que deveríamos nos importar?”, diz Donnie, “Porque os coelhos somos nós”, diz a professora, “(...) Se os coelhos podem falar é porque fazem parte da imaginação do autor que se importa com eles, para que possamos nos importar também...”, diz Gretchen, “Estamos esquecendo sobre o milagre de se contar uma história? O Deus Ex Machina foi o que salvou os coelhos”, conclui a professora. O coelho Frank também simboliza o arquétipo de mentor, sombra (a conseqüência de um ato futuro) e arauto (aquele que anuncia os eventos no universo tangente). Na cena que Donnie vai ao banheiro tomar um dos placebos, ele tem um contato com Frank que está do outro lado do espelho. Talvez seja uma referência indireta com as histórias de Alice, o coelho como elemento presente em dois mundos e o espelho como fronteira entre duas dimensões. Existe também o filme Harvey, (outra possível referência indireta) sobre um coelho gigante imaginário que é o melhor amigo do personagem de James Stewart. Frank é o verdadeiro viajante do tempo nesta história, coexistindo entre presente, passado e futuro. Ainda não sabemos ao certo a relação do Frank do futuro com os “elementos de água” que saem do peito dos personagens. Muitos afirmam que estes “elementos” são a manifestação do terceiro crakra (plexo solar), onde são localizadas as energias referentes à emoção. Seria Frank uma manifestação desta forma de energia? Ou talvez o fantasma de Frank e os “elementos de água” possam simbolizar o Deus Ex Machina dentro do filme. Donnie é apenas o instrumento de manipulação destas representações do sobrenatural. Ele é “forçado” a ter certas atitudes que irá modificar a vida de todos os personagens tanto no universo tangente, quanto no universo primário.

O conceito sobre viagem no tempo é realmente discutido no filme, quando Donnie pergunta sobre o assunto para o professor (de física) Monitoff. O professor fala sobre o conceito básico da relatividade entre espaço e tempo: “O buraco de minhoca. A chamada ponte Einstein-Rose. Teoricamente pode existir uma conexão desse universo com outro universo. Segundo Hawking um buraco de minhoca talvez nos possibilite achar um atalho para saltarmos entre duas regiões distantes do espaço-tempo... Os princípios básicos da viagem no tempo estão aí. Tem a sua nave, ou portal... sendo que sua nave pode ser qualquer coisa”. Em seguida ele apresenta o livro A Filosofia da Viagem no Tempo contando um pouco da história de Roberta Sparrow, a Vovó Morte. Em outro encontro o professor Monitoff continua com o ensinamento: “Com uma espaçonave você viaja ao longo de um vetor através de um espaço-tempo até o centro da gravidade... E para a espaçonave viajar através do tempo ela tem que achar um portal ou um buraco de minhoca”. Donnie responde: “Se Deus controla o tempo, o tempo foi pré-decidido... Todas as coisas vivas seguem um caminho. Se você puder ver seu caminho então poderia ver o futuro, certo? Como uma viagem no tempo”. Monitoff incrédulo diz: “Se pudéssemos ser capazes de ver o nosso futuro, nosso destino então, teríamos uma escolha de trair nossos destinos. E o fato de essas escolhas existirem faria com que todo destino pré-direcionado tivesse fim”. Donnie acredita que Monitoff esconde alguma informação: “Não se você viajar pelo caminho de Deus”. Monitoff encerra o diálogo com medo de perder o emprego no colégio. O embate entre Donnie e seu professor sobre destino versus livre-arbítrio ainda é um tema insolúvel para os físicos. É um grande questionamento no filme que abre a possibilidade para diversas interpretações sobre o assunto. Analisando o filme, acredito que exista um “tempo pré-determinado” onde os destinos estão traçados, mas quando existe o universo tangente pode existir a possibilidade de mudar o que virá no futuro, havendo o verdadeiro “livre arbítrio”. Richard Kelly criou as “suas leis” para este universo fictício e os conceitos sobre o universo tangente apenas funcionam dentro dos seus filmes. A realidade do universo tangente é de curta duração, assim como é a realidade de uma ficção. O universo tangente pode também ser chamado como universo fictício, ou inventado. É na ficção que as teorias físicas se tornam “realidade”. Talvez por isso histórias envolvendo viagens no tempo nos fascinam. A idéia de corrigir um erro do passado, ou poder manipular o destino é algo que praticamente todos já pensaram nesta possibilidade. A possibilidade em conseguir viajar no tempo é levado a serio por inúmeros físicos e vários investimentos são feitos para que a ficção vire realidade. É impossível para eu debater sobre este assunto em um único texto. Em outras análises irei fazer um paralelo sobre A Filosofia da Viagem no Tempo com os outros filmes de Richard Kelly.

Para finalizar, falaremos sobre o ultimo ato do filme. Quando faltam poucos dias para o “fim do mundo” acontece uma catarse com todos os personagens, sendo obrigados a confrontarem seus piores problemas. Donnie é o catalisador e agente causador destas mudanças. Jim Cunningham é preso, motivo que impede Kitty Farmer viajar junto com as Sparkle Motion. A mãe de Donnie fazer esta viagem com a irmã mais nova. A professora Pomeroy é demitida da escola por ser considerada subversiva. Elisabeth, a irmã mais velha é aprovada em Harvard e resolve dar uma festa na noite de Halloween. A Gretchen fica com Donnie na festa e em seguida morre atropelada pelo Frank do presente. Quando Donnie mata Frank ele entende a sua missão. O auto sacrifício é necessário para salvar todos quem ele ama, ou se importa. Antes de viajar de volta para o passado, Donnie observa o “buraco de minhoca” formando no céu e lembra-se de toda a sua jornada no universo tangente. Na versão do diretor a “viagem de volta” é mostrada um insert do olho de Donnie, com códigos de computador passando rapidamente, aparecendo flashes dos acontecimentos daquela realidade e uma voz artificial faz uma contagem regressiva, terminando a montagem com o aviso de “purificação”. Donnie Darko volta para o universo primário como despertasse de um longo sonho. Ele está rindo, talvez por achar que tudo não passou de um sonho, ou quem sabe por estar “zombando” do seu destino fatal. Após a turbina do avião matar Donnie vemos uma montagem de cenas mostrando os personagens “despertando” do universo tangente. Cada personagem sente algo diferente, como ficasse algum resquício daquela outra realidade. A música Mad World interpretado por Gary Jules reforça este sentimento de melancolia expressado pelos personagens. É triste (em minha opinião) ver a família Darko chorando, enquanto o corpo de Donnie é tirado dos escombros. Temos este apelo emocional nesta cena final, quando Gretchen acena para a mãe de Donnie como sinal de empatia pela dor da família. Apesar de Gretchen não ter conhecido Donnie naquele universo, ela consegue se comover com a morte dele. O que nos leva a questionar se o universo primário apresentado no final do filme é mesmo real. Retomo a teoria do “universo subjetivo”, que tanto o universo primário e o tangente fazem parte da mente de Donnie Darko. Em uma de suas ultimas frases ele diz: “Espero que quando o mundo acabar eu sinta um alívio, porque poderia viver por isso”. Talvez Donnie tenha se tornado o Deus Ex Machina desta nova realidade. Algo parecido com o que acontece no filme Sucker Punch (sem spoiler) onde é criado outra realidade através da subjetividade da protagonista. Donnie Darko é um filme sobre questionar a realidade como a percebemos e assim como o herói-protagonista tentamos nos encaixar e entender o nosso propósito dentro deste universo.

Encerro esta minha análise sobre Donnie Darko. Coloco abaixo alguns links que servem como leitura complementar sobre o assunto. Existe ainda muito assunto para ser debatido, mas prefiro abordá-los em outras oportunidades. O próximo texto da serie Virando do Avesso será sobre o segundo filme de Richard Kelly, Southland Tales – O Fim do Mundo. Gostaria de saber a opinião de vocês sobre esta análise e podem se quiserem mandar sugestões de filmes para os próximos textos desta serie.

http://cinefilosofia.com.sapo.pt/artigos/conteudo/donnie.htm


http://cinefilosofia.com.sapo.pt/artigos/conteudo/donnie2.htm

quarta-feira, 11 de julho de 2012

O Espetacular Homem-Aranha: Remake ou Reboot?

Eu não entendo por que tanta gente tem frescura quando anunciam um remake, ou reboot de algum filme famoso. Histórias são contadas e recontadas inúmeras vezes desde o princípio da humanidade. A jornada do herói (ou protagonista) é instrumento de estudo e também serve como base para construção narrativa em diversas mídias de entretenimento cultural. Uma mesma história pode ser contada de diversas maneiras, desde que se respeite a “identidade” dos personagens. Por isso acho estranho que um personagem tão popular como o Homem-Aranha vem sofrendo preconceito nesta nova versão no cinema.


Para quem acompanha o personagem sabe que diversas reedições foram feitas nos quadrinhos, desenhos animados (acho que é o super herói com maior número de versões animadas) e nos games. A trilogia do Sam Raimi é muito boa e funciona muito bem como uma saga com início, meio e fim. Então o que há de mal em recomeçar a mesma história? Percebi que muita gente reclamou sobre o fato deste filme precisar contar novamente uma origem que já foi bem estabelecida, quando poderiam recomeçar a saga do Homem-Aranha com ele já transformado em herói. O Espetacular Homem-Aranha é bem diferente da primeira adaptação cinematográfica. É outra origem, uma diferente interpretação do personagem, não existindo uma “repetição” da mesma história. É a mesma coisa comparar os filmes do Batman dirigido pelo Tim Burton contra a versão mais recente feita pelo Christopher Nolan. São propostas de filmes diferentes, feitos em épocas distintas, como é o caso do Espetacular Homem-Aranha. Nesta versão, vemos um Peter Parker menos “alegrinho” e mais “humano”, com conflitos internos mais reais. Ainda é um filme de super-herói que segue a “cartilha básica” do gênero, sem muitas inovações narrativas, apenas mostrando um “ponto de vista” diferente na origem do Homem-Aranha.


No filme de 2002 existia a seguinte formula: Pessoa Comum + Elemento Extraordinário (Picada da aranha “mutante”) + Trauma/Perda (morte do tio) = Transformação em Super-Herói. A idéia do primeiro Homem-Aranha era do herói improvável, moldado pelo acaso extraordinário, quando a lição (moral) que precisava aprender é que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Não existiam grandes conflitos internos no personagem, que não fossem além do amor platônico pela Mary Jane. O antagonista, o Duende Verde, não chegava a fazer um contraponto com a personalidade do herói, representando o clichê de vilão dos quadrinhos que só traz caos e destruição. Apesar de ser muito bem interpretado pelo Willem Dafoe o Duende Verde era mais ameaçador quando estava sem a “roupa de vilão”, sendo apenas o insano Norman Osborn. O romance entre Peter Parker e Mary Jane só engata no segundo filme, quando a identidade do herói é descoberta pela “mocinha”. Enquanto neste reboot vemos Peter Parker tentando descobrir suas origens (o desaparecimento dos pais e a pesquisa que estavam realizando), flertando com a Gwen Stacy (a primeira namorada do herói nos quadrinhos) e transformando em herói gradativamente. Existe uma motivação do protagonista em descobrir sua “identidade”, sendo muito maior do que ser o super herói que “salva o dia”. O antagonista, o Lagarto também tem a sua motivação na trama e acaba sendo o contraponto ao protagonista algo que não houve na primeira versão. O Lagarto não é a única ameaça ao herói. A polícia também o caça por ser uma “ameaça ao sistema”, pois nem todo mundo é a favor do Homem-Aranha. O romance flui muito melhor que em toda a trilogia do Sam Raimi e é possível ter uma maior empatia a este novo casal. Os efeitos especiais, é óbvio, estão bem mais interessantes e com o 3D às vezes chega a causar vertigem. Não quero falar mais do filme para não soltar spoilers.


Se o Espetacular Homem-Aranha é melhor que o primeiro Homem-Aranha de 2002? Acho injusta tal comparação. Considero esta versão bem mais interessante que a primeira, mas a trilogia do Sam Raimi também é inesquecível. É diferente do que aconteceu com Superman – O Retorno em que o filme era quase um remake do primeiro, dirigido pelo Richard Donner. Se for pra fazer um remake, ou um reboot, que seja uma proposta diferente da versão original. Histórias precisam ser revistas e recontadas. No caso dos super-heróis também precisam ser atualizadas. Cada época existe uma maneira de encarar a “necessidade de ter um justiceiro”, com o herói certo para cada contexto histórico. Sejam os super-heróis voltados para o entretenimento (Os Vingadores), como também servindo de reflexão, ou catarse (Watchmen e Batman – O Cavaleiro das Trevas). Só acho chato um bando de pseudo-nerd ficar implicando com as mudanças no “cânone” de suas histórias favoritas, achando que não existe espaço para uma diferente interpretação em uma adaptação. Pois quem conta um conto aumenta um ponto.


terça-feira, 19 de junho de 2012

Prometheus e o medo do desconhecido

Antes de iniciar o comentário, peço desculpas por não ter postado quase nada na ultima semana. Eu estava preparando um texto para o blog, quando o HD do meu notebook deu problema. Infelizmente, não tenho hábito de fazer backup. Rezo pra não ter perdido todos os meus arquivos. Enquanto a situação não se resolve, sou obrigado a me virar com o notebook da minha mãe.

Volto ao assunto principal, o filme Prometheus, mais conhecido como o prelúdio de Allien – O Oitavo Passageiro. Não irei fazer uma crítica, ou comentário, sobre se o filme é ruim, ou não. Peço que assistam e tirem suas próprias conclusões. Eu particularmente gostei muito do resultado, mas não é sobre isso que eu irei discutir.

Quando assisti Prometheus me lembrei da importância do suspense em um filme. Não falo apenas do gênero em si, mas em como se constrói o suspense dentro de uma narrativa cinematográfica. Pois todo filme existe uma premissa, algo que indique previamente o que poderá acontecer. No caso de Prometheus existem duas: A primeira é mostrar a “origem” da criatura conhecida como Allien; e a segunda, é a busca sobre a “nossa origem” em outro planeta. Como é um filme de Ficção Científica/Terror, espera-se muito suspense (com direito a cenas chocantes) e algum tipo de reflexão. O grande problema e desafio do filme: Como contar uma história que antecede outra, já conhecida, sem cair no óbvio e no previsível? Será que Prometheus se sustenta como filme sozinho? Acredito que além de ser um filme que é parte de outra saga, também tem outra “mitologia” a ser desenvolvida. E o suspense vem quando já não sabemos o que virá depois. Não se trata de um quebra cabeças entre um filme e outro, mas de outra história que está sendo contada. Não se preocupem... Prometo não contar nenhum spoiler neste texto.

O título do filme é uma referência ao mito de Prometeu, um titã que enganou Zeus para dar o fogo divino à humanidade. Sua saga mitológica simboliza a busca pelo domínio das forças naturais (como o fogo), como também o princípio da civilização. No filme, Prometheus é o nome da nave financiada por uma corporação (a mesma Weyland presente nos outros filmes), que busca respostas científicas sobre a origem da vida na terra. Cada personagem tem sua motivação específica e o conflito surge entre eles, quando se deparam com o desconhecido. Nós, espectadores sabemos que algo ruim irá acontecer com eles. O que não sabemos, é como as ações dos personagens irão desencadear o surgimento do Allien. Talvez seja este o motivo de ter gostado bastante do filme. Não sou fã hardcore da saga Allien e também não sei todos os detalhes para fazer uma comparação minuciosa entre os filmes. Gostei de Prometheus pelo seu elemento surpresa. Havia momentos em que esquecia de preocupar com as “respostas”, para querer saber como os personagens escapariam daquela situação. Isto faz parte de um suspense de verdade e não um monte de sustos gratuitos. O bom do suspense é não saber o que irá acontecer. É ter medo do desconhecido. Matar os personagens de maneira chocante já não é o suficiente. Entretanto ao tirar a vida de um personagem através do extraordinário (ou do que é estranho), pode gerar mais medo do que a morte em si. O problema do gênero Suspense/Terror é que após algumas renovações (de enredo) acaba por fim caindo na banalidade (no previsível e óbvio). Fiquem tranqüilos, que Prometheus não é apenas um “terror espacial”, pois sobra bastante espaço para o desenvolvimento da ficção científica. Existem vários elementos sobre a suposta origem da vida na terra, que formam uma nova mitologia cinematográfica tão rica quanto os demais filmes da saga Allien. E o 3D funciona bastante na imersão da história.




Eu fico por aqui. Se eu continuar, posso talvez estragar a experiência de quem não viu. No próximo texto falarei mais sobre esta nova “safra” de ficção científica saindo agora nos cinemas. Abordarei também as polêmicas diante dos remakes, prequels e dos reboots cinematográficos.

Até breve!

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Nada se Cria... Segunda Temporada (parte 3)

Nesta terceira parte serão apresentadas algumas das mais famosas adaptações de sucessos mundiais, feitas para o mercado cultural do Japão. Procurei desta vez não me basear apenas pelo trash, mas acabei trazendo algumas releituras (que não são plágios) de algumas obras culturais, que também fizeram sucesso fora da terra do sol nascente. O critério de seleção desta lista foi classificar o sucesso destas versões, em comparação com a importância do conteúdo adaptado. Nenhum dos exemplos citados ficou restrito ao nicho de mercado asiático, como foi o caso das adaptações da Índia e da Turquia.

O primeiro vídeo que apresento desta seleção, é o seriado do Homem-Aranha adaptado para o padrão de super-herói japonês. Este é único vídeo trash desta seleção. Mas se pensarem melhor, o que seria do Homem-Aranha se tivesse sua versão brasileira (não dublada) na telinha? Talvez acontecesse uma mistura de Malhação com Os Mutantes (a novela e não a banda). Se bem que este Homem-Aranha do Japão por não ter muita relação com o “original”, acabou chamando atenção de muitos fãs do aracnídeo espalhados pelo mundo. Alguns boatos dizem que a armadura do Duende Verde do primeiro filme, teve uma leve influência dos “monstros” do seriado japonês. O mais interessante é que o próprio criador Stan Lee considera esta versão melhor que o seriado americano, pelo menos em termos de produção. E quanto a história? Segue o mesmo padrão de roteiro “consagrado” pelos heróis japoneses. Confira a abertura deste seriado.


Quando comentei sobre a versão turca do filme Star Wars me esqueci de mencionar que existem outras versões inspiradas na saga de George Lucas. No Japão existe o filme Message from Space (não sei a tradução do título original em japonês) que é uma das melhores cópias de Star Wars já realizadas. Os personagens, cenários, batalhas e trilha sonora lembram bastante o primeiro filme da serie, Episódio IV - Uma Nova Esperança. O que impressiona, é que o filme “copiado” foi lançado apenas um ano depois do “original”. Leve em consideração que o primeiro Star Wars demorou alguns anos para ser produzido. Imitar uma história de sucesso não parece difícil, porém fica complicado quando tem que se reproduzir a qualidade dos efeitos visuais de uma produção mais cara. Message from Space consegue manter o nível de qualidade técnica parecido com Star Wars. Agora vem a grande surpresa... George Lucas que já admitiu usar várias referências de diversas obras na criação de Star Wars, também extraiu alguns elementos do “clone japonês” para os demais filmes da saga.




O que eu posso falar da releitura de Metropolis, um clássico antigo do cinema transformado em anime (animação japonesa)? Não se trata de uma reprodução da mesma história e nem uma readequação cultural de uma adaptação. Trata-se, portanto de uma diferente interpretação de uma obra, ou releitura. Criando-se algo completamente diferente, senda uma obra distinta da original. Esta animação em longa-metragem é uma adaptação do Mangá (história em quadrinhos japonesa), que foi inspirado apenas no cartaz e na sinopse do filme. Resumindo, o autor não havia assistido ao filme para recriar Metropolis a sua maneira. Para quem não gosta de animação japonesa, vai se surpreender com a qualidade do filme.


O cineasta Akira Kurosawa é o melhor exemplo de quem sabe adaptar muito bem obras consagradas para o contexto cultural japonês. Existem vários filmes dele que são inspirados em livros famosos. O filme que usei como ilustração é Ran, uma adaptação da obra Rei Lear, de Willian Shakespeare. Prova que é possível recontar a mesma história através da interpretação de outra cultura.



Semana que vem teremos os exemplos de “cópias” do nosso país. Ainda tem vários países que quero abordar e muitos vídeos para serem exibidos. Aceito pedidos e sugestões para as próximas edições desta serie.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Análise de cena do filme Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado

Resgato neste blog um ensaio que eu fiz na época da faculdade (cinema) sobre uma cena extraída do filme Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado. Coloco também o vídeo da cena analisada para melhor compreensão deste ensaio. O texto pode ser um pouco maçante, se comparar com os demais que já postei. Trata-se de um trabalho acadêmico, que teve como objetivo desconstruir um filme a partir de uma cena isolada. Muitos textos sobre cinema que eu estou preparando, devem seguir esta mesma linha, só que com uma linguagem mais leve e pessoal.



Como início deste ensaio, deixo com que Erasmo de Rotterdan faça a introdução a um dos temas abordado, a loucura humana.

“Tudo o que fazem os homens está cheio de loucura. São loucos tratando com loucos. Por conseguinte, se houver uma única cabeça que pretenda opor obstáculos à torrente da multidão, só lhe posso dar um conselho: que a exemplo de Timão, se retire para um deserto a fim de gozar à vontade dos frutos de sua sabedoria”.

A loucura é inerente a todos os seres humanos, seja ela uma válvula de escape para outra realidade, ou também pode ser um modo de como encarar a vida. É também a energia ativa nas ações humanas. Não devendo ser tratada como defeito de personalidade, mas sim, como formador de personalidades e ideologias de cada um.
Na cena analisada do filme, Monty Python: Em Busca do Cálice Sagrado, vemos uma discussão ideológica do rei Arthur com um servo “anarco-sindicalista” e uma serva que não acredita em nenhuma ideologia debatida entre os dois. Usamos da filosofia de Erasmo de Rotterdam, no livro “O elogio da loucura” e de Thomas More, no célebre livro “A utopia”, para exaltar os conflitos existentes na cena, incluindo o ideal de uma sociedade perfeita, idealizado por cada personagem. O filme mostra o que foi a idade média, misturando elementos lendários da saga do rei Arthur e seus cavaleiros da távola redonda, com a própria história do que teria sido a idade das trevas. Os feudos, os reinos, os senhores, os servos, o clero, os cavaleiros em suas cruzadas, o misticismo e outros elementos servem para ilustrar esse período histórico.
No início desta cena, temos um plano aberto com o rei Arthur entrando no feudo, juntamente de seu cavalo “imaginário”, onde seu ajudante é quem simula o som do galope com as batidas ritmadas dos cocos vindo das andorinhas do sul (ou seriam do norte?). Uma trilha sonora “heroica” da ênfase na continuidade da jornada, na busca dos cavaleiros que serão seus fiéis aliados. Neste momento, o mais importante não é o rei Arthur, mas sim dois servos que estão trabalhando na terra. Tais personagens servem para mostrar outra visão da sociedade medieval. Os servos não parecem se importarem com a presença do rei. Muito menos o rei está interessado com o que os servos estão fazendo. Apenas o ajudante do rei continua cumprindo sua função de continuar batendo os cocos e carregar os suprimentos do rei. Outra postura importante é a do rei que está ereto, com o peito estufado e de olhar acima dos demais, exibindo uma falsa ideia de superioridade. Enquanto o seu ajudante tenta acompanha-lo devagar, com olhar reto, sempre cumprindo sua função, sem haver qualquer mudança de comportamento, por apenas obedecer ao rei. “Não há escravidão mais vil e repulsiva, mais desprezível do que aquela a que se submete essa ridícula espécie de homens, que não obstante, costuma ganhar para si de alto a baixo, o resto dos mortais”. Os servos por sua vez estão curvados, sempre olhando para baixo, não como uma reverência ao rei, mais sim pela alienação ao trabalho. 
Tudo o que foi descrito no parágrafo anterior, referente ao primeiro plano, serve para situar o espectador no contexto histórico, dentro dos temas que serão abordados durante toda a cena. No plano seguinte entendemos o motivo do Rei Arthur estar cavalgando naquele feudo, quando vemos um castelo ao fundo. Sabemos que seu objetivo é chegar lá, mas para isso precisa perguntar para um servo, sobre quem é o cavaleiro (considerado como parte da nobreza medieval) daquele castelo. Pois quando o rei tenta pela primeira vez entrar em contato com o servo, começa o conflito que será o ponto de discussão principal da cena. Primeiro ele confunde o servo, que está puxando uma carroça, com uma mulher, por não poder identifica-lo por estar de costas, coberto de pano velho por todo o corpo. Vemos o servo ofendido que não responde a pergunta do rei e diz que não é uma mulher, muito menos um velho. O rei tenta apenas chama-lo de homem, mas o servo insiste em dizer que ele não é um servo qualquer, pedindo para que chame pelo nome, Denis. O servo apenas quer ser reconhecido como um indivíduo e não como mais um no meio da multidão. O rei tenta se redimir mais ainda justificando sua confusão, por não conseguir identifica-lo só porque estava por trás dele, apenas com toda aquela roupa que dificultava ainda mais tal reconhecimento. Mesmo assim Denis não se convence e reclama que o confundiu só porque trata os outros como inferiores. Arthur explica seu tratamento de superioridade, porque ele é o rei e isto faz parte de um comportamento de como um rei deve ser. “Consiste as obrigações de um homem que é posto a testa de uma nação. Devem dedicar-se dia e noite ao bem público e nunca ao seu interesse privado; pensar exclusivamente o que é vantajoso para o povo; Ser o primeiro a observar as leis de que é autor e depositário, sem desviar-se nunca de nenhuma delas.”. Irritado Denis confronta o rei, dizendo que não acredita naquela hierarquia social que é imposta a ele, colocando como um explorador da classe trabalhadora. Durante este percurso, em que o rei está seguindo Denis, na tentativa de arrancar uma informação, os dois param perto do barro, onde está uma serva (que é interpretado por um homem), onde a reconhecemos pela voz. A serva ajoelhada no barro cumprimenta o rei, sem saber quem ele é. O rei se apresenta e em seguida faz para ela, a mesma pergunta que fez para Denis. A serva intrigada, pergunta para Arthur: “Rei de quem?”, desconhecendo a valor da hierarquia social dentro de sua realidade. Para os servos o rei é apenas um forasteiro, um intruso que age com preconceito diante de outra realidade.
Assim começa um debate de perguntas, na qual o rei tenta explicar que ele é o senhor de todos os feudos dos bretões. Mesmo assim a serva desconhece quem são os bretões. Ele explica que ela também faz parte deste reino e por consequência lhe devia obediência. “Todos vós estais convencidos, por exemplo, de que um rei além de muito rico, é o senhor de seus súditos”. Os dois servos estão trabalhando na lama (uma representação dos recursos escassos que os camponeses têm para sobreviverem), ela coloca para o rei que toda aquela explicação não condiz com sua realidade: “Rei? Eu não tenho nenhum rei. Eu vivo numa sociedade de coleta autônoma”. “Por conseguinte, são perfeitamente felizes os homens que, sem ter qualquer relação com as ciências especulativas e práticas, tem como único guia a natureza, a qual não possui nenhum defeito e nunca deixe que se percam os que seguem fiel e exatamente os seus passos, sem a pretensão de sair dos limites da condição humana”. Para a serva, o seu mundo se resume apenas no trabalho para a sobrevivência e não na ideologia de coletividade anônima de Denis. Portanto a presença do rei não afetaria em nada o modo como ela vê o mundo, preferindo viver indiferentemente a tudo isso. 
  Ao contrário do pensamento da serva, Denis coloca-se como ser crítico diante da realidade, com um discurso engajado. Ele se refere, como um membro de uma “autocracia”, que por sua vez tem sua estrutura funcional. Pois apesar de renegarem a figura de um mandante, a tal sociedade idealizada tem sim seus líderes (escolhidos de maneira democrática), que revezam suas funções dentro da comunidade. “Utopia é toda proposta ideal de organização da sociedade em que, por meio de novas condições econômicas, políticas e sócias, se pretende alcançar um estado de satisfação geral”.  Ao contrario do pensamento utópico, o marxismo (embutido no discurso de Denis, por ser pragmático) prefere empregar a ideologia em suas ações para reorganizar uma sociedade. Mesmo assim, as duas ideologias propõe uma quebra na divisão de classes dominantes. O ponto de vista de Denis mostra também uma “gênese” de como seria a formação da burguesia. Havia uma oposição ao controle feudal dentro dos burgos, onde acontecia o livre comercio, com os produtos vindos do oriente. Com o crescimento dos burgos, diversos feudos foram extintos, iniciando o fim do período medieval. Séculos mais tarde aconteceu uma nova revolução burguesa na França para derrubar a monarquia, sendo inseridos socialmente os ideais iluministas, que muito assemelham em teoria com o discurso de Denis. Inclusive o trabalho dos dois servos no barro, pode significar neste ponto de vista o princípio da construção do que seriam os burgos, os muros que os separavam da sociedade e estilo de vida medieval.
A serva ignora também discurso de Denis, pois novamente aquela ideologia não afeta a sua realidade. Fica evidente que ela não participa diretamente de nenhuma das duas versões de sociedade (o feudo e autocracia). Pois quem realmente tinha naquela época conhecimento das extensões dos poderes que o rei possuía por todo o seu reino e se realmente importava em conhecer a estrutura de uma sociedade feudal para sobreviver? A extensão de um feudo podia ser tão grande que era possível ter existido camponeses que ignoravam a ideia de uma hierarquia social. Mesmo assim Arthur insiste em convencê-los de que ele é o rei (mesmo que nenhum deles tenha votado), o escolhido para ser o senhor do reino perfeito. Uma alusão messiânica, do que seria a volta de um escolhido na salvação da humanidade. Arthur acaba contado a lenda de Excalibur, utilizando de simbolismos religiosos e mitológicos. “Portanto a verdade é que os outros deuses não são tão bons e benéficos para todos os mortais, sendo a loucura a única deusa que acumula de favores todo o gênero humano”. Denis zomba da lenda, mostrando que nada disso afetaria sua realidade e o que Arthur falou não passam de loucuras. Arthur fica irritado, descendo do “morrinho” (ou rebaixando seu nível de nobreza), para bater em Denis, que começa a gritar: “A violência é inerente ao sistema!”. Então neste mesmo plano aparecem mais dois servos, que quase não ficam em quadro, fazendo com que Arthur desistisse de confrontar as ideias de Denis e continuar sua jornada.
E a dúvida sobre o castelo, que tanto o rei queria saber? Na verdade ficou sem solução, pois Arthur se irrita e se segue viagem na busca dos cavaleiros. Seria aquele rei do castelo, um senhor feudal? Quem sabe um cavaleiro ausente na proteção do feudo? Ou seria aquele um castelo vazio, mostrando que aquilo seria apenas um símbolo de poder invisível? Todas essas hipóteses podem ser aceitas, servindo como explicação para o distanciamento dos servos com essa hierarquia de classes.
 Mas nada disso importa, pois estamos trabalhando no campo imaginário e também da loucura dos personagens. Não temos uma verdade em jogo, mas sim três pontos de vistas divergentes, com várias vertentes de interpretações. Pois o ideal medieval era apenas uma loucura da alta hierarquia, que pensava ter controle absoluto do povo. Porém a alta hierarquia não imaginava que pouco a pouco os camponeses iriam se rebelar contra o sistema, acabando com o feudalismo. O heroísmo de Arthur também é ridicularizado com o cavalo imaginário, que na verdade é um homem batendo os cocos para simular um galope. “Mas não será também verdade que a loucura foi autora de todas as famosas proezas dos valorosos heróis que tantos literatos eloquentes elevaram as estrelas? É a loucura que forma as cidades; Graças a ela é que subsistem os governos, a religião, os conselhos, os tribunais; E é mesmo lícito asseverar que a vida humana não passa, afinal, que uma espécie de divertimento da loucura”. Os servos em total discordância, mesmo vivendo a mesma realidade, cada um tem sua própria personalidade e distinção para acreditarem no que quiserem. O castelo pode representar que não há rei, apenas personagens que acreditam em suas funções, pois não há ninguém superior comandando-os de verdade. Há muitas hipóteses e muito que ser aprofundado nas leituras de cada personagem, mas eles nos lembram de que nada deve ser levado muito sério, principalmente o filme.

“Querer, porem, acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena, pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e a das fisionomias. Vamos à aplicação: Que é afinal, a vida humana? Uma comédia. Cada qual aparece diferente de si mesmo; cada qual representa seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não faz descer do palco. O mesmo ator aparece sobre varias figuras, e o que estava sentado no trono, soberbamente vestido, surge em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo nesse mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o fato é que esta longa comedia não pode ser representada de outra forma”.  

Citações extraídas dos livros:
- O Elogio da Loucura: Erasmo de Rotterdan
- A Utopia: Thomas More

terça-feira, 5 de junho de 2012

Nada se cria... Segunda temporada (parte 2)

Continuando a serie de adaptações (ou plágios) dos sucessos mundiais para o mercado regional (do país). Nesta segunda parte irei abordar o cinema da Turquia e suas versões para os grandes sucessos da cultura pop. Se na Índia existe o cinema bollywoodiano, na Turquia existe o Yesilçam, que segundo o Wikipédia significa “Verde Pinho” (uma referência aos outros polos de cinema mundial). Diferentemente do que acontece em Bollywood, o cinema da Turquia não é de musicais e nem tudo que é produzido no Yesilçam é adaptação de outros mercados. Entretanto para competir com os filmes de Hollywood, o cinema turco teve que produzir suas próprias versões de filmes e seriados consagrados. Existem algumas versões desses sucessos que até ficaram bem feitas, enquanto outras ficaram como cópias toscas que não deveriam ter sido produzidas.

O primeiro exemplo é de uma versão ruim de Star Wars. Não se trata de uma adaptação, ou cópia do enredo consagrado por George Lucas, mas sim uma colagem de cenas extraídas (literalmente) do original. O título deste Star Wars da Turquia é “O Homem que veio do espaço”. E que isso tem haver com Luke Skywalker e Darth Vader? Nada! Como já falei, tem cenas do Star Wars inseridas no filme, juntamente com o tema do Indiana Jones tocando o tempo inteiro. A história do filme pelo menos é boa? Tentei assistir ao filme e confesso que não consegui entender nada (independente do idioma). Assista estes dois vídeos e tirem suas conclusões:

Neste primeiro vídeo é mostrado a abertura do filme, onde aparece as cenas "coladas" do filme original

E para finalizar o "Star Wars da Turquia" mostro a cena do treinamento do herói do filme, com a trilha do Indiana Jones. É uma das cenas mais toscas que já vi na minha vida.


Na semana passada eu apresentei o Superman indiano, nesta semana vocês vão conhecer o Superman da Turquia. Esta versão não é uma avacalhação do herói, como foi aquela presepada de Bollywood, conseguindo ser fiel ao personagem, apesar das limitações técnicas da produção. Acredito que este Superman não é um plágio, mas sim uma adaptação para o publico turco, valorizando um pouco da produção nacional. 


Outra adaptação que ficou fiel à versão original, foi o Star Trek (ou Jornada nas Estrelas, para os fãs mais antigos) da Turquia. No início achei que era a serie original dublada, mas quando eu vi o Capitão Kirk turco, soube que se tratava de uma adaptação. Tirando o elenco ruim (o Kirk desta versão consegue ser mais canastrão que o original), a produção conseguiu reproduzir bem a essência da serie.


Outro sucesso adaptado para o cinema da Turquia é o filme “O Exorcista”. Não se esta versão é um remake, ou um plágio. Este filme foi o único (do cinema turco) que conseguir assistir na integra (as legendas em inglês ajudaram bastante). A história tem sim suas semelhanças com o original, mas tem uma trama que aborda o mesmo tema de maneira bem diferente. Neste trecho apresentado tem um confronto do exorcista com a menina possuída. Notem que pelas limitações técnicas, a menina não gira a cabeça em 360 graus e nem se contorce toda, limitando-se apenas aos efeitos de maquiagem e uma atuação que parece uma imitação da atriz original. 



E para finalizar, apresento a versão turca do filme ET. Posso considerar com certeza que trata de um plágio, ou uma cópia mal feita, usado para se promover em cima do filme original. Aliás, o ET neste filme parece uma bosta falante. Ruim demais! 

Semana que vem tem mais vídeos da serie Nada se cria... Espero que tenham gostado desta seleção. Estou garimpando vídeos do mundo inteiro na tentativa de compor os temas de cada semana. Aceito também sugestões de temas para esta serie. 

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Revolução 2.0

Dando continuidade ao texto, “A Torre de Babel digital”, retomo a discussão sobre a importância das redes sociais dentro da nossa sociedade globalizada. Ao mesmo tempo em que temos total liberdade de expressão na internet, ainda sofremos dificuldade de nos fazer entender no mundo real. Até que ponto as redes sociais ajudam na nossa vida real?

Quando usei a internet pela primeira vez aos dez anos (acredito que foi 1996), fiquei fascinado com a capacidade de respostas imediatas durante a navegação. O conceito das primeiras salas de bate-papo era bastante atraente: poder falar com várias pessoas de diversos lugares ao mesmo tempo, poderia ser pra mim uma nova possibilidade de fazer amizades. No fim acabei não fazendo amigos em nenhuma sala de bate-papo convencional. Só que neste retrospecto, não posso esquecer da rede social mais antiga da internet: o e-mail. Poder mandar “cartas virtuais” para quem eu quiser, sem precisar comprar envelope, selo e esperar a entrega do correio, era o máximo da velocidade do mundo moderno (daquela época). Tudo começou a mudar no início deste século, quando a internet ficou mais difundida mundialmente e as primeiras redes sociais começaram a se organizar melhor. O Mirc, apesar de ser graficamente pobre (considero o “Atari” das redes sociais), conseguia organizar melhor a bagunça das salas de bate-papo, dividindo em vários canais de relacionamentos. Enquanto isso, o uso do e-mail passou ser mais ativo, havendo manifestações e protestos compartilhados por toda rede. Como consequência veio também às primeiras correntes da “paz”. Estimulando todos a encaminharem aquela mensagem de amor e esperança, para que o mundo pudesse mudar. Quanta ingenuidade! E o que falar sobre o compartilhamento de música pelo napster, ou o Kazaa? O fenômeno do compartilhamento do MP3 mexeu totalmente com a estrutura da indústria fonográfica mundial. O nosso comportamento estava mudando com a internet, quando tudo antes era novidade e diferente, agora passou ser parte fundamental em nossas vidas (como diria o Faustão: “Tanto no pessoal, quanto no profissional”).

A consolidação das redes sociais e das redes colaborativas ajudaram difundir o conceito da internet 2.0. A informação que já não era mais centralizada passou a ser compartilhada. A verdadeira revolução digital não veio da ciberativismo, mas sim do crowdsoursing. Vou tentar resumir um pouco sobre estes dois conceitos comuns da web. Posso afirmar que o ciberativismo é derivado do crowdsoursing, pois ambos tem a necessidade de solucionar pequenos e grandes problemas, com ajuda de várias pessoas conectadas pela mesma causa. O crowdsoursing está presente no Wikipedia e outras redes colaborativas. É a construção de uma plataforma digital, sem haver a necessidade de um órgão econômico e centralizador por trás da proposta inicial. Enquanto ciberativismo usa as ferramentas das redes sociais para confrontar os problemas do mundo real. Correntes online não é ciberativismo. E nem sempre a motivação do ciberativismo é de resolver problemas, podendo também ser um grupo organizado para denunciar as mazelas da sociedade. Um exemplo do novo ciberativismo é o Wikileaks, que é um órgão de denuncia e não um “solucionador de problemas”.

Nosso poder em expor as falhas sociais é muito maior que há uma década. Com nossas câmeras de celulares (até com os modelos mais fajutos) conseguimos flagrar abusos morais e compartilhar por toda rede, sem que haja uma censura de informação. Temos o poder em nossas mãos, mas ainda não sabemos como usar com eficiência. Este é um novo desafio para o surgimento da terceira geração da internet (3.0), que precisa superar a torre de babel digital, para que os novos movimentos sociais não fiquem limitados aos cliques de um mouse.

Deixo alguns vídeos que aprofundam melhor este tema sobre as redes sociais:




domingo, 3 de junho de 2012

A Torre de Babel digital

Ao ler o prefácio do livro, “Contos Fantásticos – O Horla e outras histórias”, do autor Guy de Maupassant, me deparei com esta frase: “O homem é um ser estranho para si mesmo, o outro é um abismo”. A comunicação tem sido a base para nossa sobrevivência social, como também é um desafio constante superar tais limitações para o bem estar coletivo.  Sabemos nos relacionar em comunidade, mas ao mesmo tempo, temos dificuldade em compreender o comportamento de estranhos. Quando olhamos para o “outro”, estamos observando através de nossas experiências subjetivas. Talvez o mandamento que nos obriga a “não julgar o próximo”, torna-se algo humanamente impossível. Pois somos bastante vulneráveis a fazermos julgamentos preconceituosos constantemente. O problema acontece quando o preconceito vira intolerância e as diferenças acabam virando barreiras sociais. E na era da internet 2.0, tudo ganha uma dimensão maior. Nunca estivemos tão conectados e distantes ao mesmo tempo.


“Compartilhar a vida. Eis um grande desafio em tempos de hipervalorização da individualidade e de enfraquecimento dos laços. Enfrentamos uma época de contradições em que, por um lado, vivemos cada vez mais solitários e por outro, criamos permanentemente novas possibilidades de convivência”.

Estamos vivendo um momento em que podemos ser voz ativa naquilo que acreditamos. Grupos, antes considerados como minoria, agora conseguem reivindicar seus direitos dentro da sociedade. O liberal e o conservador podem expor suas ideias e opiniões livremente nas redes sociais. Possibilidades infinitas de relacionamentos são criadas constantemente nesta aldeia global. Pois no mundo virtual não existem fronteiras e ainda existe muito que explorar neste novo conceito de internet. Porém essa tal liberdade, tem um preço e coloca em cheque nossa convivência dentro do “mundo real”.

“Vivemos, portanto, imersos em um grande paradoxo: Somos seduzidos por um mundo sem fronteiras no qual devemos transitar livremente, mas ao mesmo tempo, nossos passos são limitados pela impossibilidade de fazer circular nossos afetos e seguir ao encontro do outro, sem tantas defesas. Talvez a alternativa para superar tais ameaças, seja reabilitar a amizade e assim reinventar a vida”.

O “grande paradoxo”, como diz na citação, pode estar na polaridade entre o ciberativismo e a trollagem. Podemos nos engajar em diversas causas benéficas, da mesma maneira, como podemos sabotar ideias e humilhar pessoas. Essa divergência de ideias pode ir muito além de uma simples crítica para ofensas gratuitas. Não estou falando do que é politicamente correto, mas sim de uma convivência online. Como separar a crítica, sátira, ou denúncia, da agressão moral? A “moderação” não é censura. Todos os debates de ideias são bem vindos à internet, só que não pode alimentar o “troll” da avacalhação. Xingar, sem argumentar seus motivos é perda de tempo. A internet 2.0 é a rede do crowdsoursing, o que significa soluções compartilhadas. Podemos compartilhar mais que conhecimento e sim criar novas possibilidades para resolver novos e velhos problemas em comum.

Nas próximas postagens irei explorar melhor o conceito de ciberativismo e crowdsoursing, como também falarei mais sobre os novos desafios das redes sociais. Fiquem claro, que não sou nenhum especialista no assunto. Deixo o espaço aberto para o debate e contribuição de ideias. 

(Citações extraídas da Revista Mente e Cérebro; reportagem: O Poder da Amizade http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/amizade.html)